terça-feira, 17 de abril de 2012

Transcrição de "A Despedideira" de Mia Couto - Conto para Poema


Queres seu homem Sol?

Eu quero o meu nuvem.

Sem cor, sem voz

Só sombra, só nuvem.

Que me deixe ser livre, mulher

Mesmo que nem sempre sua.

Que tenha medo, marés

No ciclo das águas e dos ventos

E, quem sabe

De vez em quando seja mulher

Que me vista e saiba me vestir

Como se suas mãos fossem minha própria vaidade.

Há muito, me casei

Como rio que corre, forte e caudaloso

Ele se foi, assim como minha vida

Eu já era outra, habilitada a ser ninguém

Ainda assim, de meu carrasco

Bate saudades, desse alguém.

Me lembro sim, daquela época

Encanto que veio, de repente.

Eu era nova, dezanovinha

Tudo era de príncipe, um princípio.

Neste mesmo pátio

Me dirigiu palavra

No primeiro dia

Aí percebi,

Que falado, nunca havia.

Neste mesmo pátio

O que havia feito

Era comercia palavra

Em negoceio de sentimento

Desperdício, diria.

Falar é outra coisa

É essa ponte sagrada

Que quando ele falava

Me solvia na fala, insubstanciada.

Neste mesmo pátio

Lembro desse encontro

O ar por A parava

A brisa sem voar

Quase nidificada

Quando ele tomava a palavra.

Vez voz, olhos e olhares.

Ele, em minha frente

Todo chegado sem usual barragem

Como se sua única viagem

Tivesse sido minha vida,

Querida.

E ele, sempre distante

O último entre seus dedos,

Do cigarro não fumava

E em minha taquicardia

O tabaco se auto-consumia.

E ele gostava assim

A inteira cinza, intacta ao chão

Por ele tombei como igual

Desabei inteira sobre seu corpo

Depois, me desfiz, em poeira estrelada

O vento que me espalhava, nada mais que sua mão.

Nesse mesmo pátio

Em que estreava meu coração

Tudo acabaria, afinal

A paixão dele desbrilharia

A murchidão, do que antes, florescia.

Diz-se que a tarde cai

E que a noite, também cai

Ao contrário, é a manhã que se vai.

Por um cansaço de luz

Suicídio de sombra,

Espreguiçando, mandriosa, inventadora de sombras.

Aos goles de lembrança, na varanda

Sinto que minha alma é água,

Se me debruçar tanto,

Me entorno e morro, vazia. [i]

Assim ele virá, para renovar despedidas

Acreditei, sim, no amor

Em que dois, é se multiplicar em um

Mas hoje sinto,

Ser um ainda é muito.

Ambiciono, sim, ser múltiplo de nada.

Ninguém no plural.

Ninguéns.

Nada mais que o nada.



Giovanna Tezzei